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MARGENS ATLÂNTICAS: EXPOSIÇÃO

Atualizado: 12 de abr. de 2023

Inserida no programa da Temporada Portugal-França 2022, Margens Atlânticas desdobrou-se em Lisboa em duas programações paralelas: A exposição, realizada de 17 a 29 de setembro de 2022, no Espaço Espelho d'Água apresentou um diálogo entre obras de Francisco Vidal e filmes de Ariel de Bigault. A Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema programou de 19 a 24 de setembro uma mostra de quase todos os filmes da realizadora.


Exposição de obras de Francisco Vidal, inspiradas nos filmes de Ariel de Bigault, e videos da realizadora. O espaço da exposição desenha percursos nas memórias e nas vivências afro-lusófonas, focando personalidades, situações e produções artísticas das diferentes margens do Atlântico.



EXPOSIÇÃO


Margens Atlânticas nasce em Lisboa, do encontro entre Francisco Vidal, artista plástico angolano-cabo-verdiano que explora as identidades africanas e diaspóricas, e Ariel de Bigault, autora e realizadora francesa cujas realizações focam culturas africanas, afro-lusófonas, afro-brasileiras e afro-europeias.


Por diferentes que sejam os seus percursos, partilham diversos pontos de convergência.


A afirmação das culturas africanas e afro-descendentes, o passado da colonização e da escravidão, as lutas de libertação e as independências, as diásporas à conquista de espaços são temas muito presentes nas obras dos dois criadores.

O olhar focado em figuras famosas ou anónimas, a atenção às singularidades, os gestos de encenação que colocam os personagens em situações projetando-os para perspectivas mais amplas, as dinâmicas que remetem para fora do quadro / fora do campo, o tratamento que sublinha os impulsos vitais … são outras características comuns.


Ambos mantêm há décadas uma ligação fortíssima com as músicas negras quer sejam urbanas africanas, afro-americanas, jazz, afro-brasileiras, e todas as suas variações. A música é respiração, ritmo, vida, pulsação das obras.


As realizações de um e outra nascem muitas vezes de encontros com personalidades, situações, expressões. Esses diálogos e olhares são suportes da dinâmica inspiradora das suas criações artísticas.


Na exposição Margens Atlânticas, as pinturas dialogam com os filmes.



As pinturas de Francisco Vidal, em formatos grandes, recriam cenas dos filmes de Ariel de Bigault, projectando personagens e narrativas para além do espaço e do tempo fílmicos, numa dinâmica de diálogos com outras figuras, memórias, imagens, emoções. O artista procura utilizar o desenho e a pintura para explorar momentos, como se de um storyboard “pós-filme” se tratasse. O seu objetivo é “perceber a fronteira entre o filme e o desenho e como esta fronteira se torna uma ponte, uma ferramenta para acabar com os muros.”


No centro da sala de exposição, Francisco Vidal construiu uma tenda africana, de 16 m2, o Museu Afro Lisboa, feita com panos coloridos que filtram a luz. No interior da tenda, caixas e objetos criados e pintados por ele; e também assentos confortáveis frente a dois monitores, com auscultadores individuais, apresentando videos realizados por Ariel de Bigault, expressamente para a exposição.


As duas séries Das Margens... e Afro-Atlântico juntam cenas dos filmes e também sequências inéditas, filmadas em três continentes, em diferentes décadas. No exterior da tenda, na sala de exposição, noutro monitor, passa uma Play List de sequências musicais de artistas africanos e afro-lusófonos, também extraídas dos filmes.


Jogando com visuais, rostos e atitudes, contextos e temporalidades, as pinturas de Francisco Vidal e os vídeos de Ariel de Bigault sugerem cruzamentos entre personalidades e interações entre patrimónios. Lisboa, Rio de Janeiro, Luanda, Salvador da Bahia, Praia. Diálogos transatlânticos entre personagens. Ecos entre conversas e músicas. Situações e atitudes que se respondem. Conexões virtuais e reais para além dos mares et dos anos...


As obras de Francisco Vidal e Ariel de Bigault transpõem as margens onde são muitas vezes mantidas as criações afro-lusófonas. A dinâmica espacial, visual e audiovisual de Margens Atlânticas abre espaços para diálogos entre artes, entre criadores e público. Margens Atlânticas propõe registos de figuras, atitudes e ideias, arquivos de memórias porvir que nos juntam na construção do presente e do futuro.



Francisco Vidal


Eu quis trabalhar o conceito de story-board feito depois do filme, em contraponto ao feito antes do filme. Fazendo um storyboard depois do filme eu vou perceber qual é a minha leitura dos filmes da Ariel.


No still de Afro Lisboa (1996), com a atriz e historiadora Isilda Hurst, a frase de Miguel Hurst “Ele é um leader africano”, refere-se ao Amílcar Cabral. Orlando Sérgio, General D. e José Eduardo Agualusa lhe respondem, lançando interrogações : será que os afro-descendentes, que residem em Portugal, têm noção das personagens da sua história e cultura?


Esta questão mantêm se hoje, e a resposta não difere muito das respostas de 1996. Fazer uma leitura através da pintura em 2022 de filmes da viragem do século é para mim importante, pois faz-me entrar no estudo: O que é a imagem e o pensamento contemporâneo dos espaços onde se pratica a convivência de várias culturas e maneiras de perceber o mundo? Essas zonas de fronteira são muitas vezes físicas, mas muitas outras vezes são zonas no tempo e na capacidade da memória. Como foi a passagem de século e de milénio recente.


Seremos nós todos contemporâneos? Penso que é esta a pergunta, numa altura em que estamos de novo na véspera de um conflito mundial entre culturas do século XXI mas totalmente influênciadas pelas contribuições e destruições do século XX.


De que maneira podemos construir objectos que nos permitam ter a capacidade de realmente evoluir?


Nos filmes da Ariel é visível que ela criou pontes; os filmes registram o primeiro encontro entre pessoas que fazem a forma da nossa história contemporânea real e consciente. Esta ferramenta da realização é fortíssima e eu quero estudá-la, com desenho e pintura, como se a estivesse a sublinhar para evidenciar e para no futuro termos ainda mais ferramentas destas, construtivas. Pois são estas armas que acabam com as guerras e os conflitos.


Tenho estudado os filmes da Ariel, e trabalho com ela na forma de co-autoria nas instalações. Para também perceber a fronteira entre o filme e o desenho.


E como esta fronteira se torna uma ponte, uma ferramenta para acabar com os muros.



Ariel de Bigault


O encontro com Francisco Vidal foi decisivo. O olhar dele ajudou-me a desenhar perspectivas sobre o conjunto dos meus filmes.


As suas obras como as minhas realizações nascem muitas vezes de encontros com pessoas e situações, expressões artísticas, culturais e sociais. Esta dinâmica de pesquisas e diálogos e também construção do olhar é importantíssima para mim como para ele. Nas obras do Francisco, como nos meus filmes, os personagens são heróis, não importa que sejam famosos ou desconhecidos.


Os nossos percursos e trabalhos evidenciam que, conscientemente ou não, trabalhamos ambos para pos-memórias inéditas: arquivos de memórias porvir. Ha décadas que um e outro pintamos e filmamos pessoas conhecidas ou anónimas, militantes, trabalhadores, artistas que têm contribuído para a construção do nosso presente e futuro comuns, em África, Brasil, Europa.


A tenda africana – esboço de Museu Afro Lisboa - cria um espaço íntimo de memórias e diálogos de vivências partilhadas.


Três monitores - um na sala, dois na tenda - apresentam três séries de videos. Cada montagem reune trechos de filmes e sequências inéditas. A edição justapõe cenas realizadas em países e épocas distantes, ao longo de três décadas. Cada série sugere ecos e diálogos entre personalidades artísticas e dinâmicas culturais, sublinhando as correspondências entre os questionamentos, as aspirações, as atitudes nas margens atlânticas, entre africanos, afro-descendentes do Brasil e da Europa.


Nos monitores da tenda, duas séries: Das Margens... foca as dinâmicas criativas que as comunidades e artistas negros têm lançado das “margens”, onde eram ou são remetidos, para os “centros” das cidades, dos poderes e das culturas. Afro-Atlântico desenha ligações entre afirmações da consciência e orgulho negros, nas margens do Atlântico.


No monitor da sala, a Play List apresenta uma série de cenas musicais de artistas afro-brasileiros, africanos, afro-europeus, evidenciando a riqueza e a pluralidade dos sons afro-lusófonos e transformando a sala de exposição num espaço de convívio e diálogos.


O diálogo criativo entre nós, começado com esta primeira exposição, vai prosseguir. Queremos explorar mais facetas desta dinâmica visual, audio-visual, cultural. E ampliar a proposta abrindo para encontros com interpretes e criadores afro-lusófonos em Portugal. Muitos deles aliás são personagens nas nossas obras.

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